Há dez anos eu nem se quer cogitaria fazer uma besteira como essa que estou fazendo. Não que eu fosse o cara mais sensato do mundo, mas geralmente tomava atitudes corretas e pensadas. Então acho que pegar um carro e rodar milhares de quilômetros definitivamente não esta na minha lista que coisas normais.
Meu nome é Noah Schwartz. No exato momento estou numa revendedora de carros, gastando todo o dinheiro que acabei de receber e os trocados que economizei nos últimos tempos, falando com um cara que não muito gentilmente veio atender o cliente que chegou um pouco depois do expediente; cliente que por acaso sou eu.
- Pra o que o senhor disse que queria o carro mesmo? – perguntou o vendedor. Era um senhor quase, aparentava uns 50 anos, dos quais menos metade passara vendendo carros. Tinha alguns fios brancos em seu cabelo castanho escuro e olhos da mesma cor, que, quando olhei para eles, pareceram faiscar como se dissessem: “Seu moleque, porque tinha que vir justo hoje, que acabei de ganhar aumento e ia tirar umas merecidas férias no Caribe?!”. Mal sabia ele que nossas situações eram completamente opostas.
- Eu não disse. – Sorri por dentro. Seria engraçado irritar mais aquele cara? Davidson estava escrito em um pequeno crachá, preso ao bolso próximo a lapela de sua camisa. Decidi que não estava afim; era uma decisão pensada e sensata... Algo um tanto raro em mim naquele dia. – Vou fazer uma viagem longa.
Davidson então finalmente se moveu. Estávamos parados há algum tempo ainda na entrada da loja, próximos aos carros mais novos e ele não parecia muito entusiasmado em sair pelo estacionamento da revendedora anunciando, talvez, pela milionésima vez naquele dia os atributos de cada carro ali. Mas se não saíssemos dali havia apenas duas opções: a) não haveria compra porque eu não tinha dinheiro suficiente ou b) eu cometeria mais uma loucura e compraria aquela Pathfinder que está olhando para mim agora mesmo de uma forma muito tentadora e me lascaria até o fim da vida para pagá-la. Eu não tinha condições de comprar uma daquelas máquinas, mas todo cara que se preze tem uma queda por carros modernos, grandes e (principalmente) caros. Porque se você desfila por aí com um carro bem caro por aí quer dizer que você é rico e tem bastante dinheiro, um emprego glorioso e estável e (talvez, mas não certamente) muita virilidade. E disso as mulheres gostam. Mas eu não estava querendo sair pela Quinta Avenida chamando a atenção de mulheres.
Andamos alguns metros até os usados e antigos lá no fim do corredor formado pelos automóveis. Àquilo era o que eu podia me permitir. Tinha uma quantia exata para gastar com o carro e ainda havia todas as despesas de viagem. A Pathfinder teria que esperar.
- Bom, você pode escolher o que quiser. Nesse tipo de carro os preços não variam muito, já que nenhum deles foi fabricado depois de 1985. Os motores estão todos em ótimo estado, rodas novas, tudo limpinho e documentos atualizados.
Ótimo. Era assim que eu estava queria que fosse; tudo certo para apenas chegar ali, entregar o dinheiro e sair na hora com o carro. Sem muita burocracia.
Então eu somente precisava olhar os carros e escolher um... A tarefa que deveria ser fácil, já que não havia muitas opções, mas... Por Deus. Eu precisei desviar meu olhar para que a imagem do primeiro auto da fileira de usados não ficasse gravada no meu cérebro. Sua pintura estava tão acabada que quase não dava para notar o azul marinho debaixo da ferrugem. Não era de se assustar que custasse só mil e seiscentos dólares. Mas, fiquei mais calmo ao olhar os outros carros. Estavam visivelmente mais bem cuidados, com pinturas brilhantes e aros reluzentes. Perguntei-me quem compraria aquele Fusca amarelo mostarda por quatro mil dólares.
Continuei olhando os carros e apenas dois a frente do tal Fusca encontrei um Impala 1985 cinza fosco bem ajeitado. Tinha quatro portas seu estofado estava perfeito e havia até mesmo um painel digital que um dono teve o cuidado de colocar. Melhor de tudo: cinco mil e quinhentos dólares com o tanque cheio à vista. E por acaso, eu tinha aquela quantia. O tal Davidson percebeu meu interesse no Impala e pareceu ficar aliviado. Sua venda tinha sido bem fácil.
- Esse Impala está aqui já tem uns dias. O dono morreu, era um senhor já, e a família não quis o carro.
Claro que não queriam, pensei eu. Quem em sã consciência iria querer um carro de 1985 nos dias de hoje?
Eu queria.
Mas meu caso é diferente.
E talvez o carro esteja só esperando por mim...
- Gostei dele – virei-me para falar com o Davidson, que agora tinha um pequeno sorriso no canto dos lábios. – Eu pago à vista.
- À vista?!
- É. À vista.
Tive que morder a língua para conter minha vontade de dizer ao Davidson que meu dinheiro não é falso e que meu cheque tem fundos sim, mas estou começando a controlar minha insensatez. Mas não tinha como desfazer a insensatez de comprar um carro e cruzar os Estados Unidos de uma ponta à outra.
Fomos até uma sala dentro da loja onde Davidson começou a preparar seus papéis. Ele parecia mais feliz agora. Ia ganhar uma comissão gorda (não tão gorda quanto se eu tivesse comprado a Pathfinder), mas se ele ia passar uns dias cochilando numa rede à sombra de um coqueiro no Caribe aquilo devia ser suficiente.
Eu parei ao lado do meu mais novo carro e fiz questão de olhar para meu relógio no pulso. Eram 6:37. E esta era uma sensação boa, sabe. Quando você finalmente tem algo que desejou bastante por um longo tempo. Abri a porta e sentei no banco do motorista. Ele era macio, mas não tão macio a ponto de você afundar quando senta nele; apenas comprimiu-se sobre o meu peso. Dei uns pulinhos, simulando lombadas e curvas imaginárias, só para testar sua estabilidade e ela me pareceu razoável. Então coloquei a chave na ignição.
Se o carro não funcionasse, o que aconteceria? Eles trocariam? Dariam-me aquela Pathfinder como consolação? Devolveriam o dinheiro ou o Davidson diria: “Se ferre”? Tudo estava visivelmente bem cuidado, mas ainda era um carro de 1985! Porém, o motor roncou ruidosamente quando girei a chave. Devagar, claro, para não estragá-lo de vez e não levar um susto se ele não pegasse.
Fechei a porta e tornei a abri-la de novo, só para me certificar de que não teria problemas com ela e ficaria trancado dentro do carro. Eu tinha certeza que a porta daquele carrinho detonado no inicio da fileira de usados cairia pelo próprio peso se alguém ao menos conseguisse abri-la.
Enfim, coloquei o carro em movimento. Tudo tinha sido bem mais fácil do que eu pensava e como queria. Saí da revendedora sem um rumo certo. Queria experimentar o carro que agora podia chamar de meu. Dessa forma, aquelas eram as primeiras milhas de muitas que eu andaria com o Impala. Saí da revendedora, no Kings, e sem pressa dirigi até a casa de meus pais, no Brooklyn.
Talvez possa parecer meio antiquado, morar com os pais no Brooklyn. Mas eu não precisava pagar contas e mais contas, como teria que fazer caso morasse sozinho. Ali eu apenas ajudava com as despesas, tinha meu quarto e estava perfeitamente satisfeito.
Eu acho.
Quando cheguei à rua de meus pais, diminui a velocidade. Agora que já tinha há feito a besteira não podia desfazê-la. Mas agora estava pensando o quando estúpido eu tinha sido.
Bom, já que eu não podia reverter, teria que encarar. Encarar meu pai.
Engoli em seco e deixei o carro no acostamento em frente à casa com tijolos à vista de dois andares onde tinha vivido minha vida toda para então dar os primeiros passos de uma longa jornada.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
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