quarta-feira, 22 de abril de 2009

Passos contados, contos passados



A minha vida inteira - como se eu tivesse vida - levei fulaninhos dessa pra melhor. Os mais velhinhos ou recém-chegados ao planeta azul ou até mesmo jovens que não deveriam ter ataques cardíacos. Os que sobrevivem estão aí, mais de seis bilhões, os quais vou levando aos poucos, mas... que Morte miserável!, levo um e chegam mais dez! Se eu tivesse minha família cuidaria para que cada um tivesse no máximo um herdeiro para não dar mais trabalho a esta pobre coitada que vos fala.
Houve uma vez, um homem muito rico, uma mulher muito feliz, um despenhadeiro na estrada linear. O Fim.
Quem muito quer, nada têm, aprendi isso ao longo da minha redundante existência. Por que seria diferente? A doença do mundo; trocentos bolos de verdinhas o fizeram dar a última marcha. Em passos contados.

Vou lhe contar a história.

Aquele ser sem valor à vida chegou atrasado no trabalho. De novo. Uma terceira vez e o colocariam pra fora. (Talvez não precisasse aguardar tanto. Naquela tarde estaria no fundo do poço. Literalmente.) Mesmo que ocupasse um alto cargo, ainda era submisso, e isso não parecia o agradar. Era quinta-feira e faziam 33°C. Qualquer um suava em bicas por baixo dos caros ternos alinhados. E lá vinha o gordão! Parecia um elefante encapsulado em um terno cinza e apenas reduzido a um tamanho suficiente para se espremer num elevador espaçoso.

E como tinha cara de elefante! Até o chão parecia tremer aos pesados passos daquela criatura deslocada. Por um momento receou que o prédio de cinquenta andares fosse a baixo.

O que o Elefante disse não é importante, ele sequer ouviu direito. Ali havia vários compartimentos e mais seres pensantes explodiam os cérebros obsoletos tentando fabricar idéias originais. Ele agradecia por não precisar se matar ali (haha!).

Não... Aquela portinha bem ornamentada no fim do corredor era todinha sua. Se quisesse colocar um ar condicionado, mover um móvel, fazer um maldito furo, tinha toda a liberdade.

Espere. Sabe, eu realmente não entendo... o Mundo até parece um lugar legal. As pessoas que vivem nele – e você está incluso -, na minha opinião, é que o tornam chato e fedido e, ao seu ponto de vista, injusto. Se vocês não quisessem morrer para querer ir prum lugar melhor eu nem precisaria estar aqui! E sabe de uma coisa... a imensidão azul acima da sua cabeça nem é tão interessante assim...

Ah , sim! Ele. Aquela sala era seu paraíso no planetinha da água (adoro essas coisas!). Exceto quando tinha mais alguém ali.

Infelizmente, foi exatamente o que ele encontrou.

Como ele queria dar umas bofetadas no rostinho de porcelana da vadia da sua mulher! Mas ela parecia um pouco ocupada se esfregando com outro cara na sua escrivaninha de mogno importada da Índia.

Você sabe o que vem depois. A Lei de Murphy é tão previsível...

É claro que ele saiu dali furioso, é claro que o Elefante o demitiu, é claro que bateu o carro, é claro que sua família acabara.

Ele era rico, mas eu já disso isso. Mas seu dinheiro não apagararia memórias, não engoliria sapos, não compraria amor. Nem a Morte. Posso lhe dar isso, na verdade, e sem custos!

Então, a quem você prefere; a vida tortuosa e cara ou a morte fácil e de graça?

Eu podia ouvir seus pensamentos e o tiritar das correntes enquanto ele dava seus últimos passos. Eram poucos e logo todo o barulho cessaria. Ele nem estava pensando em gritar (e nem poderia) quando a água morna enchesse sua garganta e penetrasse em seus pulmões, expulsando qualquer sopro de vida. Não demorou muito... Até que seus pés tocaram o ar e depois mais nada. Até de olhos fechados ele já estava!, então não precisou me ver recolhendo sua alma vazia e o corpo inchado e verde da água gelada na mesma noite.

Ah, morte miseravél.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O jovem garotinho e a velha senhora


Havia uma venha senhora - há algum tempo já falecida - que sentava-se sempre a tardinha nas escadas se sua casa geminada. Aparentava cerca de 70 anos, as rugas profundas lhe incitavam experiência e carregava consigo dois pedaços de madeira escura arredondada que prendiam os tecidos os quais bordava. Nunca havia furado os dedos com a fina agulha.
Ela ficava sentadas nos degraus, cumprimenta seus conhecidos que voltavam da rotina moderna corrida quando estes tinham tempo. Algumas raras vezes, alguém novo, um novo amigo, parava e lhe falava algo. Também eram rápidos.
- Boa tarde - eles diziam. Perguntavam seu nome, se fazia bordados para vender e se iam na velocidade dos carros. Ela nunca os respondia
Mas havia um; uma criança. Depois que a correrria aliviava, quando o sol já começava a alcançar a linha do horizonte, quem alcançava sua casa era um garotinho. Usava o uniforme do colégio (nas quintas sua camisa estava sempre mais suja), a mochila nas costas. Ela não o vira acompanhado uma vez sequer.
Aquela era uma quinta-feira.
Como costumeiramente, a senhora estava em seus degraus, seu bordado já estava quase pronto. Dava os pontos finais de uma cena de pôr-do-sol no oceano com a luz amarelada de seu próprio pôr-do-sol.
O garotinho aponto na esquinha. Seus passos eram apressados; quase corria. A mochila sacolejava em suas costas; os pés quase tropeçaram numa pedrinha no caminho; um sorriso era reprimido em seus lábios. A verdade era que ele queria chegar o mais cedo possível à casa daquela senhora misteriosa; que nem sequer lhe dissera seu nome.
Ela estava lá. Não era novidade. Assim que o viu, fitou-o com seus olhinhos verdes pequeninhos e sorriu segundos depois.
- Olá - o garotinho sorriu de volta, mas conseguindo mais o conter. Chegou mais próximo, arfante e observou o bordado da senhora. - É muito bonito...
Com os últimos raios de sol vieram os pontos derradeiros no tecido. Ela ergueu seus olhos para ele. O garoto sentiu vontade de piscar, mas não conseguia deixar de mergulhar no verde dos olhos da senhora. Quando tudo se tornou mais escuro, os olhos dela perderam o brilho. Ela tirou o tecido devagar das madeiras arredondadas e estendeu ao garoto. Ele não conseguiu deixar de notar que suas mãos tremiam levemente.
- Pra mim...?
Hesitante, o garotinho pegou o tecido, observando os pontos perfeitamente acabados. A senhora sorriu e tateou o degrau a procura de algo. Estendeu-lhe a mão movamente e, aninhado entre as rugas de sua palma, estava um pequeno botão dourado, que o garoto também pegou. Houve um silêncio profundo. Não haviam nem carros na rua, nem gritos, nem ninguém além daquele jovem garotinho e a velha senhora.
- Eu... já ta tarde... preciso ir... - Deu dois passos pra trás - Obrigado.
E foi-se, após olhar pra a casa geminada espremida entre tantas outras. A senhora já não estava mais lá.

Dois meses se passaram, até que uma carta chegou à uma casa grande, moderna e de uma família rica. Intimava um garoto cuja descrição física combinava perfeitamente com o filho único do casal dono de tal casa. Dizia que era esperado para receber uma herança deixada por um testamento de uma senhora. Quando os pais o levaram, o garoto descobriu uma pequena foto, ao qual reconheceu como a senhora dos bordados.
A sua herança?
Ao lado da foto havia uma lata de metal claro. Era pesada. Ao abrí-la descobriu uma quantidade incrível de botões. Dentre milhares, reconheceu vários outros botões dourados.
Segundo o que o disseram, eram os únicos bens da senhora que morrera de causas naturais.